segunda-feira, 6 de maio de 2013

Aquilo que guardamos no peito...

Remexendo o desgastado caderninho de anotações, aquela velha agendinha que nós jornalistas levamos de um lado pro outro à procura da entrevista e da informação necessária, eis que encontro um texto .. Um rascunho repleto de sentimento, cheio de mensagens por entre as linhas. Aquele rio semântico que se perdeu com o tempo real da vida. Tudo, enfim, se vai... Com o passar das horas, com os quilômetros que separam pessoas, com o vazio entre palavras mudas. Eu pressenti. E estava certa. Hoje, limitado ao passado, um tanto vivo, um pouco machucado, mas existente. Entreguei ao destino as cartas que dizem sobre mim. O que será que será? Deixa estar. Saudosista que sou, compartilho aqui meus escritos.  Estava no Rosa, sentada mirando a chuva incessante, divagando na madrugada serena de um lugar que me tem... 


" São três horas da manhã. Ainda não dormi. É tarde... Mas estou hipnotizada pelos olhos daquele com que gastei meus últimos suspiros em uma noite (louca) de amor. 
Olhava com gratidão para todo o seu corpo, já entregue ao sono. Tinha a boca levemente contraída e os olhos cerrados pelo cansaço. Permitia-se aos espasmos involuntários nas pernas, num dormir pesado. Minha retina e pupila observavam a cena com uma leveza desigual. Tudo se iluminava, com elegância, por entre a luz vinda da TV que, por vezes,  mostrava com mais exatidão a sua meia face.
Sabia que teria de deixá-lo no próximo dia...
Sabia, também, que se perder na estrada é fácil demais. 
A vida de viajante tem dessas, prega algumas peças na gente. Ao se entregar a um caminho, abrimos em paralelo outro ramo de possibilidades. Viver o hoje faz com que tenhamos de escolher, encarar as consequências,  mas acima de tudo satisfazer o coração.
Segui-lo (o coração) nunca foi difícil . É sempre real , verdadeiro. Tem um "q" de liberdade e um outro bocado de consciência (a verdadeira). Permita-se, é o que ele sempre me diz.

Continua chovendo e os pensamentos me amarram. Sou grata! A vida nos dá aquilo que damos a ela. É a famosa ação e reação, como diz a física.  Portanto, estar aqui no Rosa é perceber o quanto bem estou semeando. Durante todo o tempo que aqui estive, olhei com tamanha percepção para as paisagens que me acompanhavam pelos caminhos. Da praia para casa; de casa para o centro; das trilhas e vielas; dos contornos esverdeados, do relevo; das ondas completando seus ciclos... É tudo tão leve. Parecido com a "insustentável leveza do ser", aquele leve pesar, com o perdão da redundância, com o qual Milan Kundera se referia em uma de suas obras mais conhecidas.  É tão leve que chega a ser um fardo.

É estranho, pode mesmo parecer, mas é nessa leveza, aqui, mais uma vez, que dei inicio a uma fase de redescoberta e evolução. Percebo o quanto estou crescendo como ser humano, na grande amplitude dessa palavra. A cada momento respiro um novo ar, de liberdade, amor a vida, simplicidade. É muito coração! Ainda pulsa. 

Volto a refletir... Respiro, o mais perto que consigo, o mesmo ar que ele respira, como se quisesse, na tentativa, salvar o máximo dele em todos os meus sentidos. Ele ainda dorme... Eu? Ainda não encontrei uma migalha de sono. Sabe, hoje tive vontade de falar muitas coisas. Olhei fundo nos olhos, que me lançavam tochas de fogo no fundo da alma. Tentei dizer, umedeci os lábios, mas logo, por um segundo, segurei. Indiferente.
Sei que as coisas devem ser ditas. Ninguém quer, afinal, morrer sufocado com o que nunca disse ..
Porém, naquele momento, frente a imensidão de sentimentos que eu guardava no peito, despejá-los seria ignorância e, talvez, precipitação. 
Sincronicidade. Muita. Diluia pelos poros tanto "canibalismo". O cheiro, o sabor, a cor que tinha o   ambiente. O som, o ruido, o gemido, o riso frouxo.. No amor, permeava entre o forte e o leve, sempre intenso, crú e profundo. 
Calei. Deixei tanta coisa a dizer. Sei que muito disso, amanhã, pode se reduzir a passado. Sei que na maior loucura que tudo isso possa parecer, sentirei saudades. Saudades dos olhos mais fundos que conheci.

Se os olhos são os espelhos da alma, fui fundo, ví cores e vi o bem. Ainda bem que tranquei a respiração..."



Laís Prestes Bozzetto, Praia do Rosa, Santa Catarina. 

12/03/03 


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